Questões de Português

Assunto Geral

Banca CESPE

Câmara dos Deputados - Analista Legislativo - Consultor Legislativo Área

Ano de 2014

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a

claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor ? a cabeça

4 da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela
suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando
inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu
7 olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento
a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na
mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos
10 sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta
nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era
uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua
13 marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por
enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às
duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora,
16 com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já
habituado, apertando-a contra os joelhos.

Foi quando se aproximou a sua outra metade neste

19 mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação
surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma
senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo
22 e miserável, doce sob sua fatalidade. Era um basset ruivo.

Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando

seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.

A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente

avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava.
Ambos se olhavam.

Entre tantos seres humanos que estão prontos para se

tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao
mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem
31 latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto
tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele
nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e
34 continuou a fitá-lo.

Os pelos de ambos eram curtos, vermelhos.
Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas

37 que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo.
Sabe-se também que sem se falar eles se pediam. Pediam-se
com urgência, com encabulamento, surpreendidos.

No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol,

ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de
tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos
43 esgotos secos ? lá estava uma menina, como se fora carne de
sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes
de Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria,
46 cedendo talvez à gravidade com que se pediam.

Mas ambos eram comprometidos.
Ela com sua infância impossível, o centro da inocência

49 que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua
natureza aprisionada.

A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O

52 basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo.
Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa
mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o
55 com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa
e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.

Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou

58 para trás.

Clarice Lispector. Tentação. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994.

Considerando aspectos estilísticos, semânticos e gramaticais desse conto, julgue os itens subsequentes.

Identifica-se paralelismo sintático e semântico, com gradação decrescente, entre os períodos “Entre tantos seres humanos (...) aquele cachorro” (L.28-30), “No meio de tanta vaga (...) criança vermelha” (L.40-41) e “E no meio de tantas ruas (...) carne de sua ruiva carne” (L.41-44).

A resposta correta é:

Assunto Geral

Banca CESPE

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Ano de 2014

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a

claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor ? a cabeça

4 da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela
suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando
inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu
7 olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento
a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na
mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos
10 sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta
nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era
uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua
13 marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por
enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às
duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora,
16 com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já
habituado, apertando-a contra os joelhos.

Foi quando se aproximou a sua outra metade neste

19 mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação
surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma
senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo
22 e miserável, doce sob sua fatalidade. Era um basset ruivo.

Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando

seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.

A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente

avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava.
Ambos se olhavam.

Entre tantos seres humanos que estão prontos para se

tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao
mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem
31 latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto
tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele
nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e
34 continuou a fitá-lo.

Os pelos de ambos eram curtos, vermelhos.
Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas

37 que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo.
Sabe-se também que sem se falar eles se pediam. Pediam-se
com urgência, com encabulamento, surpreendidos.

No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol,

ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de
tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos
43 esgotos secos ? lá estava uma menina, como se fora carne de
sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes
de Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria,
46 cedendo talvez à gravidade com que se pediam.

Mas ambos eram comprometidos.
Ela com sua infância impossível, o centro da inocência

49 que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua
natureza aprisionada.

A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O

52 basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo.
Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa
mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o
55 com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa
e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.

Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou

58 para trás.

Clarice Lispector. Tentação. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994.

Considerando aspectos estilísticos, semânticos e gramaticais desse conto, julgue os itens subsequentes.

No fragmento “Na rua deserta nenhum sinal de bonde” (L.10-11), o emprego da vírgula após o adjetivo “deserta” estaria de acordo com a prescrição gramatical, dada a anteposição do adjunto adverbial.

A resposta correta é:

Assunto Geral

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Ano de 2014

A existência de duas ortografias oficiais da língua portuguesa, a lusitana e a brasileira, tem sido considerada como largamente prejudicial para a unidade intercontinental do português e para seu prestígio no mundo.
Tal situação remonta, como é sabido, a 1911, ano em que foi adotada em Portugal a primeira grande reforma ortográfica, mas que não foi extensiva ao Brasil.
Analisando sucintamente o conteúdo dos acordos de 1945 e de 1986, a conclusão que se colhe é a de que eles visavam impor uma unificação ortográfica absoluta.
Em termos quantitativos e com base em estudos desenvolvidos pela Academia das Ciências de Lisboa, com base no corpus de cerca de 110.000 palavras, conclui-se que o Acordo de 1986 conseguia a unificação ortográfica em cerca de 99,5% do vocabulário geral da língua. Mas conseguia-se sobretudo à custa da simplificação drástica do sistema de acentuação gráfica, pela supressão dos acentos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas, o que não foi bem aceito por uma parte substancial da opinião pública.
A inviabilização prática de tais soluções leva-nos à conclusão de que não é possível unificar, por via administrativa, divergências que assentam em claras diferenças de pronúncia, um dos critérios, aliás, em que se baseia o sistema ortográfico da língua portuguesa.
Nestas condições, há que procurar uma versão de unificação ortográfica que acautele mais o futuro do que o passado e que não receie sacrificar a simplificação também pretendida em 1986, em favor da máxima unidade possível.
Foi, pois, tendo presentes estes objetivos, que se fixou o novo texto de unificação ortográfica, o qual representa uma versão menos forte do que as que foram conseguidas em 1945 e 1986. Mas ainda assim suficientemente forte para unificar ortograficamente cerca de 98% do vocabulário geral da língua.


Brasil. Senado Federal. Nota explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, 2009 (com adaptações).

Em relação ao texto acima, julgue os itens a seguir.

Depreende-se da leitura do texto que fracassaram as tentativas de unificação ortográfica da língua portuguesa anteriores ao novo Acordo Ortográfico.

A resposta correta é:

Assunto Geral

Banca CESPE

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Ano de 2014

A existência de duas ortografias oficiais da língua portuguesa, a lusitana e a brasileira, tem sido considerada como largamente prejudicial para a unidade intercontinental do português e para seu prestígio no mundo.
Tal situação remonta, como é sabido, a 1911, ano em que foi adotada em Portugal a primeira grande reforma ortográfica, mas que não foi extensiva ao Brasil.
Analisando sucintamente o conteúdo dos acordos de 1945 e de 1986, a conclusão que se colhe é a de que eles visavam impor uma unificação ortográfica absoluta.
Em termos quantitativos e com base em estudos desenvolvidos pela Academia das Ciências de Lisboa, com base no corpus de cerca de 110.000 palavras, conclui-se que o Acordo de 1986 conseguia a unificação ortográfica em cerca de 99,5% do vocabulário geral da língua. Mas conseguia-se sobretudo à custa da simplificação drástica do sistema de acentuação gráfica, pela supressão dos acentos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas, o que não foi bem aceito por uma parte substancial da opinião pública.
A inviabilização prática de tais soluções leva-nos à conclusão de que não é possível unificar, por via administrativa, divergências que assentam em claras diferenças de pronúncia, um dos critérios, aliás, em que se baseia o sistema ortográfico da língua portuguesa.
Nestas condições, há que procurar uma versão de unificação ortográfica que acautele mais o futuro do que o passado e que não receie sacrificar a simplificação também pretendida em 1986, em favor da máxima unidade possível.
Foi, pois, tendo presentes estes objetivos, que se fixou o novo texto de unificação ortográfica, o qual representa uma versão menos forte do que as que foram conseguidas em 1945 e 1986. Mas ainda assim suficientemente forte para unificar ortograficamente cerca de 98% do vocabulário geral da língua.


Brasil. Senado Federal. Nota explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, 2009 (com adaptações).

Em relação ao texto acima, julgue os itens a seguir.

Conclui-se da leitura do quarto e do sétimo parágrafos que o novo Acordo Ortográfico consegue unificar a ortografia de mais de 107.000 vocábulos do léxico português.

A resposta correta é:

Assunto Ortografia

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Ano de 2014

Com base no que dispõe o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, julgue o próximo item.

Está correta a grafia dos seguintes vocábulos: bilíngue, sagui, sequência, quinquênio, Müller, colmeia, joia, paranoico, papéis, feiúra, perdoo, pera, pôde (3.ª pessoa do sing. do pretérito), sobre-humano, co-herdeiro, subumano, coedição, capim-açu, semi-analfabeto, vice-almirante, contrarregra, infrassom, semi-interno, sub-bibliotecário, panamericano.

A resposta correta é:

Assunto Literatura

Banca CESPE

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Ano de 2014

No que se refere à representação do índio e do sertanejo no Romantismo brasileiro, julgue os itens seguintes.

A representação do índio é frequente em obras do Romantismo brasileiro, não apenas nos romances históricos ou regionalistas, mas também em romances urbanos e de costumes, como em Senhora.

A resposta correta é:

Assunto Literatura

Banca CESPE

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Ano de 2014

No que se refere à representação do índio e do sertanejo no Romantismo brasileiro, julgue os itens seguintes.

Nesse período da literatura nacional, produziram-se romances em que se destacavam peculiaridades culturais e sociais do índio e dos habitantes do sertão, a exemplo das obras Ubirajara, de José de Alencar, e O Cabeleira, de Franklin Távora, respectivamente.

A resposta correta é:

Assunto Literatura

Banca CESPE

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Ano de 2014

No que se refere à representação do índio e do sertanejo no Romantismo brasileiro, julgue os itens seguintes.

A figuração do índio em I-Juca Pirama e em Os Timbiras, de Gonçalves Dias, aproxima-se da realizada por Mário de Andrade no romance Macunaíma.

A resposta correta é:

Assunto Literatura

Banca CESPE

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Ano de 2014

A respeito da obra de Machado de Assis, julgue o item abaixo.

As narrativas naturalistas da França oitocentista são os principais modelos ficcionais de que se vale Machado de Assis para construir um de seus mais célebres romances, Memórias Póstumas de Brás Cubas.

A resposta correta é:

Assunto Literatura

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Ano de 2014

Confidência do Itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Carlos Drummond de Andrade. Sentimento do mundo. São Paulo: Cia das Letras, 2012, p.10.

Em relação ao poema acima apresentado, à obra de Carlos Drummond de Andrade e às diversas fases do Modernismo brasileiro, julgue os próximos itens.

Na última estrofe do poema, o eu-lírico faz alusão a tempos distintos da modernização brasileira, mediante referência à existência íntima e à passagem do tempo experienciada em termos individuais.

A resposta correta é:

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